Nesta segunda parte deste artigo vamos então proceder à comparação das cinco geometrias de bikes de estrada (race, endurance, aero, cyclocross e gravel).

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Ou seja, este artigo é a continuação da 1ª parte que podes ler no seguinte link:

É esse o artigo que deves ler primeiro caso precises de uma “revisão” dos conceitos acima mencionados. Ah, a propósito, se quiseres saber porque é que não se deve usar o comprimento do top tube como medida de determinação do tamanho do quadro, a resposta encontra-se também na primeira parte.

Vimos ainda alguns conceitos elementares necessários para podermos comparar a geometria das bikes de estrada entre os diversos segmentos. Estas foram o stack (ou altura), o reach (ou alcance), o ângulo do tudo do selim e a altura do tubo da cabeça de direção…

Antes de prosseguirmos, queremos relembrar que ficou por falar de um outro tipo de variáveis a ter em consideração, as coordenadas de fit. As coordenadas de fit são realmente as variáveis que interessam a todos nós ciclistas porque são as coordenadas que nos permitem passar a nossa posição de bicicleta para bicicleta. Mas não te preocupes, este tema será abordado num próximo artigo saído do Orbis Lab!

Mais concretamente, vamos usar a Trek e a Giant como marcas de exemplo.

Se visitares o site da Trek e escolheres um modelo, encontras mais abaixo na pagina uma pequena tabela com medições de diferentes variáveis em cada tamanho de quadro, e com uma figura que exemplifica mais ou menos como foi medida cada variável.

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Vamos assumir que todas as medições foram tiradas da mesma forma em cada quadro e, por isso, o erro de medição deveria ser zero ou muito próximo disso. A comparação de geometrias foi feita usando o tamanho 54 (Trek) ou o M (Giant), pois trata-se da média aritmética de tamanhos da população mundial.

As variáveis que nos interessam aqui são o ângulo do tubo do selim, o ângulo e a altura da cabeça do guiador, o trail, altura do top tube, o reach e stack do quadro. Estas medidas estão descritas na seguinte imagem:

As bicicletas Trek que vamos comparar são as seguintes:

Trek Madone (aero)

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Trek Domane (race)

Trek Emonda (endurance)

Trek Boone (cyclocross)

Trek Checkpoint (gravel)

Os dados da tabela em baixo foram retirados do site publico da marca Trek e permitem-nos de uma forma mais clara comparar cada variável de acordo com cada categoria de bicicleta:

Comecemos por falar do trail. O trail relaciona-se com o comportamento dinâmico da bicicleta, a estabilidade em curva e a facilidade de mudanças de direção. Não é a única variável que tem um impacto direto na prestação dinâmica da bicicleta, mas podemos pensar no trail como uma medida que nos informa sobre a personalidade da bicicleta, e aqui podemos usar alguns adjetivos para a descrever: nervosa, calma, precisa, instável, responsiva, etc.

Pensa no trail como a medida que está associada a um perfil de comportamento, estando um trail grande relacionado com uma bicicleta estável em curva que resiste a mudanças de direção rápidas; esta é portanto uma bicicleta com uma condução mais relaxada.

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Já um trail curto está associado a bicicletas capazes de mudanças de direção rápidas, capazes de correções de trajetórias em curva, nervosas, e que portanto são bicicletas de corrida. Como se podem ver na tabela, ambas as bicicletas de gravel e cyclocross, bem como a Domane, possuem trails maiores, o que nos dá já uma pista sobre o seu comportamento dinâmico.

A importância do ângulo da cabeça do guiador

Se seguires esta linha de pensamento, podemos então olhar para o ângulo da cabeça do guiador. Da mesma forma, um ângulo mais pequeno indica uma bicicleta mais lenta (em termos de mudanças de direção) e ângulos maiores indicam uma bicicleta mais responsiva. Aqui importa ver se este ângulo está em sintonia com o trail: trails maiores e ângulos menores para geometrias mais relaxadas e trails menores e ângulos maiores para bicicletas mais agressivas.

Se sim, então a bicicleta foi claramente desenhada a pensar num propósito; se não, então temos que tentar perceber porque é que estas duas medidas não estão em harmonia. Repara que a altura da cabeça do guiador  (ou vulgarmente chamada a “testa” da bicicleta) está associada, de maneira não linear, ao stack. Uma testa maior, um stack maior. Mas, nem sempre. Repara nas bicicletas de gravel, que apresentam o stack mais alto de todos, mas geralmente uma testa mais baixa que as bicicletas de endurance.

Quanto maior a distância entre as rodas e quanto menor a altura do BB ao chão, mais estável será a bicicleta.

Se estabilidade é importante para ti, então, quando comparares duas bicicletas, deverias também olhar (para além do trail) para a distância entre rodas e a altura do BB ao chão. Quanto maior a distância entre as rodas e quanto menor a altura do BB ao chão, mais estável será a bicicleta. Mas atenção: uma bicicleta com um BB mais alto permite-te um centro de gravidade mais alto e será mais fácil saltar ou ultrapassar obstáculos.

O ângulo do tubo do selim está associado com padrão de recrutamento neuromuscular dos diversos grupos musculares e com a demanda metabólica via VO2 max e via a capacidade cardiorrespiratória. Geralmente, este ângulo está estandardizado nas bicicletas de hoje em dia. As marcas chegaram aparentemente (e finalmente) a um consenso e vemos por isso ângulos na ordem dos 73° em bicicletas de estrada e na ordem dos 78° a 80° em bicicletas de contrarrelógio.

Este é um tópico avançado que guardamos para outro dia, mas importa saber três coisas:

  • Podes alterar este ângulo mudando o selim mais para a frente e mais para trás (isto porque o que interessa no fundo é onde te sentas, em relação ao BB);
  • Ângulos maiores exibem consistentemente melhores resultados (menor contribuição muscular para a mesma potência, valores de VO2 max maiores, etc);
  • Um a dois graus não é suficiente para se alcançarem diferenças significativas, por isso, se estiveres indeciso entre uma bicicleta com um ângulo de 72° e outra com um ângulo de 73°, então haverá outras decisões mais importantes a tomar na escolha do quadro (a cor, por exemplo!).

O stack e o reach

Para finalizar, o stack e o reach. A escolha de uma bicicleta é um processo muito individual, com algumas pessoas a darem mais importância aos tipos de geometria (aero, race, endurance) e outras a darem mais importância à estética. Qualquer que seja a tua metodologia, o stack e o reach não podem ser ignorados.

Mais facilmente aconselhamos a ignorares o ângulo do tubo do selim do que a ignorars o stack e o reach. É com estas duas variáveis que regulamos a disposição do nosso centro de gravidade na bicicleta, que afinamos o nosso perfil aerodinâmico e, mais importante, que ditamos o nosso conforto nos kms que fazemos.

Mais facilmente aconselhamos a ignorares o ângulo do tubo do selim do que a ignorares o stack e o reach.

Uma bicicleta com um stack maior resultará numa posição mais alta (para a mesma configuração de cockpit: espaçadores + avanço + barras) e, como tal, no deslocamento posterior (para trás) do centro de massa. Isto resulta numa posição mais confortável. Um reach menor traz os mesmos resultados: deslocação do centro de massa para uma posição mais posterior e elevação do ângulo das costas com o horizonte.

Das cinco bicicletas, a Domane é a que tem um stack maior, seguida da Checkpoint, Boone e da Madone e Emonda empatadas com o menor stack de todos. Um stack menor indica uma bicicleta mais agressiva.

Em suma, convém estudar cada geometria porque todas elas apresentam variáveis que as diferenciam umas das outras. Mas, é importante também perceber que conseguimos alterar ou adicionar componentes que nos coloquem perto ou com valores iguais umas das outras.

Um exemplo teórico…

A Trek Madone tem um stack mais baixo que a Domane (541 mm vs 575 mm) e um reach mais longo que a Domane (386 mm vs 374 mm). Se adicionarmos 35 mm de espaçadores à Madone, o resultado é um reach 2 mm apenas mais longo e um stack igual. Se por outro lado adicionarmos 40 mm de espaçadores, o resultado é um reach igual (374 mm), mas um stack 4 mm mais alto (ver quadro abaixo).

Temos que pesar as escolhas, mas desde que o tubo do garfo não tenha sido cortado e permita 30 a 40 mm de espaçadores, conseguimos encontrar uma posição geométrica idêntica, em duas bicicletas em extremos opostos, uma aero e uma de longa distância e conforto. Em termos de geometria, a Madone e a Emonda são idênticas. O que as separa são outros atributos relacionados com a prestação dinâmica e não com a posição do ciclista, pois uma tem muito material a perfilar o quadro (carbono) e a outra tem pouco, fazendo variar bastante o peso da bicicleta.

Agora um exercício: perante a seguinte tabela com as cinco geometrias da Giant, qual é a bicicleta mais agressiva? E a mais relaxada? Tenta descobrir!

Por último, existem outras nuances que nos podem (e devem) influenciar na escolha do quadro/bicicleta. Uma das variáveis que devemos que ter em conta é a “tire clearance”, ou seja, a capacidade da bicicleta conseguir usar pneus mais largos. Por exemplo, uma bicicleta de gravel vem provavelmente montada com pneus 700×38 c ou 700×40 c, mas não é possível usar este pneu na Madone porque o garfo e as escoras traseiras não têm espaço suficiente para o albergarem.

Contudo, se a tua bicicleta de estrada consegue acomodar pneus com 38 ou 40 mm de largura (ou mais), então podes transformar a tua bicicleta numa verdadeira bicicleta de gravel apenas mudando os pneus. A Trek Domane, por exemplo, acomoda pneus de gravel com 38 mm de largura, sendo uma ótima opção para apaixonados de ambas as disciplinas.

No próximo artigo…

Aproveitando o sucesso do João Almeida no Giro, o próximo artigo Orbis Lab irá rever a posição de contra relógio deste fantástico ciclista e compará-la aos melhores contrarrelogistas da atualidade como Filippo Gana, Dennis Rohan e Victor Campenaerts.

Em direto do Orbis Lab, em Glasgow, Escócia!

O Orbis Lab é uma criação do português Nuno Gama, autor deste artigo e amigo da equipa GoRide, e um estúdio de bike fit localizado em Glasgow, na Escócia. Neste espaço e com a ajuda do Nuno, um ciclista amador ou profissional pode aumentar a eficiência e o conforto na bicicleta, enquanto minimiza o risco de fadiga precoce e lesões. Vale muito a pena ver todos os vídeos que o Nuno coloca no YouTube frequentemente:

Nuno Gama é o fundador do ORBIS LaB, um laboratório de pesquisa biomecânica e performance desportiva baseado m Glasgow, na Escócia. O Nuno é doutorado, perito em biomecânica e eletrofisiologia, e é uma pessoa extremamente acessível. Aprecia falar sobre ciência e desporto e adora a sua família, os seus cães, as suas guitarras e os seus cubos de Rubik. A bicicleta do Nuno é uma Fuji SL 1.0 de 2017 com Ultegra 8000 e rodas Mavic Cosmic Pro de pista em alumínio.

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